Sentia muitas saudades de casa. Olhou com paciência o mar à sua frente como se buscasse além dele; olhou como se procurasse o que estava escondido. Não achou o que procurava, apesar do deleite da visão para os olhos. A concha que pegara da areia a pouco, movida pela curiosidade dos arcos espiralados, trouxe uma nova função: pôs ao ouvido para escutar uma canção que só existia dentro de si. Ouviu o vento soprar, bem longe. Como se estivesse ouvindo de volta os sons de casa, sorriu, e seu coração se aqueceu por um momento. Queria ainda ouvir mais além, talvez ouvir os risos e as conversas, ouvir de novo a sensação de vida à sua volta. Queria ouvir os sons parecidos com seu lar, mas não ouviu nada além do vento marítimo aprisionado na concha. Queria também ouvir respostas: o que estaria fazendo nesse lugar? Por que a rotina à sua volta lhe era agora estranha como roupas emprestadas? O que lhe faltava para chamar “aqui” de lar? Resgatou as memórias de infância, resgatou as melhores experiências, resgatou as experiências banais, resgatou o que aprendeu com os professores na escola e fora dela. Percebeu que caminhava como uma náufraga.
Todas as coisas estavam indo bem. Não havia muita preocupação além das entediantes rotinas e das resoluções de problemas diários. Estava perdida, talvez, ou só deslocada, mas não era de forma alguma geográfica. Tinha perdido o fio para o fim do labirinto dentro de si; ou era mais provável que apenas tenha se dado conta disso, não importa há quanto tempo já estivesse nessa situação.
Faltava amor à sua volta. E por faltar, todos pareciam buscá-lo com avidez em vários lugares, em várias coisas, em várias pessoas. Se em juventude lhe faltavam amor, culpavam a pressa, a ânsia. Se em maturidade lhe faltavam amor, culpavam a beleza que se esvai da forma. Se em velhice lhe faltavam amor, culpavam a memória. Vários culpados para desviar o foco das próprias escolhas, das oportunidades que passavam velozes diante dos olhos desatentos.
Começou a pensar em todas essas coisas por vontade própria, mas não sabia o que concluir com essa linha de raciocínio. Tirou o pensamento do mar e do céu, cravando os pés fundos na areia morna. “Por que ‘aqui’? Por que com essas pessoas? Se essa ânsia me preenche, é um castigo? É, ao menos, necessária? ” Parou para refletir no que acabara de pensar. Era necessário? Será que era preciso que convivesse com essas pessoas apressadas, enérgicas, mutáveis, inertes? Seria ela uma dessas pessoas também?
Todas as coisas estavam indo bem, e isso significava conforto, segurança e comodidade. Havia a pouco aprendido que o conforto vai deixando os olhos sonolentos, vai encobrindo as vistas e impede-a de ver o mundo com clareza. Sabia que precisava se desvencilhar do conforto, da cama macia. Teria trabalho, seria necessário esforço. Teria que transformar um pouquinho as coisas se quisesse que elas se parecessem mais com seu lar, lá do outro lado do oceano. Teria que arrancar sutilmente mais sorrisos, teria que superar as próprias restrições, os próprios preconceitos. Se faltava amor à sua volta, teria ela esse amor para oferecer? Não estaria também faltando amor em si? Eram perguntas difíceis de se fazer, pois lhe exigiam uma sinceridade consigo mesma maior que a habitual. Ser sincera com os outros era bem mais fácil. No entanto, sabia que identificar e arrancar algumas características que a acompanhavam há tanto tempo seria um processo demorado e dolorido. Tinha receio de perder autenticidade no processo, apesar de no fundo saber que isso era pouco provável – sua mente estava desesperada querendo voltar para o estágio de conforto.
Sacudiu a areia dos pés como se pudesse sacudir junto os pensamentos. Precisaria iniciar uma jornada e o começo seria cuidar melhor de si mesma, enquanto também cuidaria dos outros. Não era uma atitude partidária: ou ela ou os outros. Faria ambas ao mesmo tempo.
Agora em sua mente não imaginava o amor como flecha que aponta certeira o alvo. Lhe lembrava, com mais clareza, do laço que une o ramalhete em um abraço de todas as flores.